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Superbikers Brasil - Em Foco - Santo Feltrin

  • Entrevista Chris Fabbri | Consultor Técnico -
  • 20 de jun. de 2016
  • 44 min de leitura

Superbikers - Um sábado cedo, bonito e de tempo agradável em São Paulo e lá vou eu para uma das lojas do Santo Feltrin, em Santo Amaro.


Logo cedo e lá está ele, já conversando animadamente com alguns cliente, mostrando as motos, atendendo o telefone... enfim, coordenando tudo e fazendo seu trabalho na loja.


Superbikers - Andei pela loja, babei ao ver as motos zero km brilhando... esportivas, estradeiras, scooters, trials, etc... mas assim que ele me viu parou tudo que estava fazendo e veio me cumprimentar e oferecer café, com aquela gentileza e simpatia de sempre.


Começamos a conversar pela loja, café bom e quente... e me levou para ver a imensa e gloriosa oficina, lotada de motos aguardando consertos e revisões, com muitas máquinas maravilhosas entre novas e antigas, scooters, triciclos, tinha de tudo ali. No meio das muitas bancadas, ferramentas e mais ferramentas arrumadas como deve ser, algumas peças e motores antigos em processo de restauração, etc. Um verdadeiro templo aquela oficina, cujas paredes têm tantas histórias pra contar.


Dali fomos ao escritório reservado do Santo.. onde encontramos também sua filha Melina, que além de trabalhar na loja com o pai, é dona de um dom maravilhoso de criar arte com peças de motocicletas. Coisas top, temáticas, de primeira, para decorar bares, casas, ambientes, lojas, boutiques esportivas ou customs, qualquer ambiente que você queira remeter ao motociclismo. Puro talento e uma ideia genial de reciclar transformando peças em obras de muito bom gosto.


Superbikers - O papo começou sem gravação... tudo em off, só para relaxar e naquele astral de rever um querido amigo.


Falamos sobre diversos assuntos e ali, naquele curto espaço de tempo para acabar o café, aprendi demais sobre o mundo da motovelocidade por trás das pistas e dos box... Aquele mundo que ninguém ve pois rola fora do autódromo. A parte do business, das tratativas comerciais, dos contratos, e do enorme trabalho estratégico de marketing que precisa existir e ser muito competente para qualquer experiencia bem sucedida no esporte se concretizar.


Aquilo por si só já foi sensacional, mas era só o começo do que seria um dia de horas e horas de muitas lições de vida, lições do esporte, muitas risadas e alguns momentos mais emocionantes, algumas fotos, e depois um almoço que pelas gargalhadas que pintavam de mim e dele em alguns momentos, certamente chamaram a atenção do pessoal da ótima lanchonete que estávamos ao lado da concessionária.


Foi um dia especial, maravilhoso, ao lado de um verdadeiro mestre, uma fortaleza na arte de atingir seus objetivos. Um grande piloto, um grande chefe de equipe e bem sucedido empresário, e com uma humildade e alegria de viver que salta aos olhos.


Fiquem com um pouco do que rolou nesse papo, prestem atenção na sabedoria desse cara e divirtam-se com algumas das muitas histórias dessa grande figura do motociclismo nacional o qual tive a honra de entrevistar.


E como disse o Carlãozinho da MotoStory, a vida dele merece um documentário, e certamente daria também um filme... dos longos, e dos muito bons... E aliás, quem sabe num futuro próximo acabe pintando uma segunda entrevista, para que ele possa contar mais algumas das milhares de histórias que tem no seu vasto portfólio de experiências de vida.



Foto do dia da entrevista - Chris Fabbri e Santo Feltrin na concessionária Yamaha


Com vocês, um pouco da vida, da história e da enorme SUPERAÇÃO desse grande piloto, e acima de tudo desse grande homem.

Santo Feltrin, por ele mesmo. Num relato aberto, surpreendente, emocionante e bem humorado.

O INÍCIO

Santo Feltrin - A bicicleta sempre esteve na minha vida. Eu andava de bicicleta pra cima e pra baixo inclusive no trabalho que eu tinha de entregador de farmácia.


Tinha uma bicicletaria perto da minha casa em Campinas que por coincidência tinha o mesmo nome do meu pai e do meu irmão (Bicicletaria do Seu Cecílio). Um dia passando por lá eu vi pela primeira vez uma bicicleta com motor, uma Leonette (cinquentinha fabricada no Brasil naquela época) vermelha com bege no tanque e eu fiquei alucinado com aquela fumaça saindo do escapamento… e tinha 2 rodas !!! (risos). Eu fiquei louco e consegui comprar uma Leonette pra mim, depois que meu pai faleceu (infelizmente perdi meu pai com apenas 10 anos de idade).


No meu emprego, naquela epoca na farmácia, eu entregava remedios de bicicleta com aquelas bike cargo pelo centro de Campinas até as 4 da tarde, mas depois eu fazia um biquinho pra ganhar uma grana a mais e ficava até mais tarde na farmácia empacotando os remedios.



E sempre estava com a bicicleta. Na volta pra casa, todos os dias, eu passava na frente de uma revenda de motos e tinha sempre uma moto de corrida lá exibida (uma 125cc vermelha)… Eu passava e me apaixonava... Até que um dia não aguentei eu parei lá para pedir emprego, para ficar perto da moto…(risos). Aos 14 anos, queria de qualquer jeito trabalhar naquela concessionária. Pedi emprego para eles fervorosamente e depois de uns 4 meses eles me chamaram. Fui lá correndo e falei que fazia qualquer coisa, lavaria peças, ajudaria a oficina, etc.


Eles só estranharam porque eu, com aquele sobrenome que era tradicional em Campinas, pois meu pai tinha transportadora que era do meu avô, etc.. Aliás, meu avô, na época da crise de gasolina transformava carros a gasolina em gasogênio (aquele de cilindros de massarico), meu avo era meio um mago da mecanica… Ele também tinha um armazém em Souza, mas vendia gasolina no armazém também. Com a falta de combustível ele transformou os carros para andar com outras coisas… (risos), andavam mas ficavam parecendo uma locomotiva.


Bom, mas voltando, falei com o gerente da concessionária, expliquei pra ele que meu pai tinha morrido e que precisava do emprego, etc.


Enfim, consegui e comecei a trabalhar lá. Fazia de tudo, e ia aprendendo.

Aprendi muito, e quando comecei a correr, eu pintava a minha moto, preparava a moto… eu nunca tive mecanico… tinha que me virar, e esse emprego na loja de motos foi muito importante nisso.




O dono da revenda que eu trabalhava corria de 125cc.


E eu conheci o Wilson Yasuda nessa época. Ele já corria de moto com os donos da revenda… o Yasuda foi visitar a revenda em Campinas, eu tinha 15 anos de idade e nunca tinha corrido. Eu falava a todo momento que eu queria ser piloto… (risos).


O querido Yasuda vai lembrar disso, ele era naquela época um japonês magrelo de tudo, e bem cabeludo… (risos), e era além de piloto, instrutor de pilotagem da Honda…

E eu ficava ali na oficina aprendendo, ouvindo e falando que ia ser piloto… sem parar... (risos)


Entrei na revenda com 14 anos de idade e saí de lá com 18… para mudar para Santos, para correr numa equipe de Santos (equipe Camilo que era uma equipe super tradicional no motociclismo da época), e trabalhar na revenda de lá.


Eu comecei a correr em 1977 de cinquentinha escondido… sem carta, menor de idade... ninguem podia saber... sem carro, sem nada... só tinha a motinho... e uma caixinha de madeira... Fiz a inscrição no centro, amarrei a caixa de madeira na motinho com peças, escapamento, carenajem dentro, e fui de noite, estrada de terra, farolzinho de 6 volts... sozinho... de Campinas pra São Paulo... cheguei em Interlagos sabe-se lá como...rsrsrs E corri. Com a bota emprestada do mecanico, o macacão do Vitinho, mas a luva era minha.. (risos). Foi assim a primeira vez de muitas.


Ano - 1978


O dono da revenda ficou louco quando descobriu (ele é meu amigo até hoje e até outro dia vendi uma moto para o filho dele..) pois não queria que eu corresse. Ele ficou muito bravo comigo quando descobriu….mas muito bravo mesmo...(risos).


Cheguei em terceiro na corrida, mas o bom resultado não adiantou… O dono não quis saber… e as 8 da matina da segunda-feira eu tinha que estar na oficina ou era demissão….(risos).


Era bom demais.. ali na oficina ficava uma nata da motovelocidade na decada de 70, eu vivi isso e era menino… Eu me espelhava naqueles caras. E eu estava certo que minha vida era essa. Não tinha mais volta, e eu vi que motos eram definitivamente a minha vida.






ALGUMAS LEMBRANÇAS e FATOS DA PISTA...


- Em 1981 não tinha moto nova pra mim disponível na equipe.. Me deram uma moto velha... mas eu estava lá... de moto velha mesmo... em 81 fui campeão brasileiro 125cc , vice campeão paulista, e 4o. no brasileiro de 400cc... Eu descia de uma 2 tempos 125cc num treino e subia num "caminhão" de 400cc 4 tempos no treino seguinte...rsrs, nao dava nem pra tirar o macacão... a safra era Birigui, Almir Donato, esse naipe... a safra malvada da 125 que foram pra 400cc...(risos)


- Tomei um tombo em Tarumã, no laço... pneus no guard-rail e a plantação de limão em seguida... bati, vui eu, a moto etc. pro cima do limoeiro....rsrs


- Tem uma foto do Marinho no Laranjinha, eu atrás, não dá pra me ver atrás de dele de tão colado, só dá pra notar que tem outra moto ali pela sombra...rsrsrs

A corrida começou e terminou assim, ele não errou, e eu nao consegui passar, mas "sangrei o calcanhar dele".....(risos)


- Na época da equipe, eu tive vários pilotos e todos eles tiveram exito comigo. Com o Cristiano ganhamos 6 títulos, tivemos a 5a. colocação no Camp. Espanhol de 250cc com uma equipe brasileira em 2000, eu re-acendi a carreira do Cajurú quando ele já quase não tinha condições e nós acabamos sendo vice-campeões brasileiros de SuperSport 2 anos seguidos.


- O Cezinha começou comigo de 125cc Especial e quando correu de 600cc no ano que eu estava na Europa com o Cristiano, a moto dele era feita aqui e o Milton Benite tinha a chave da oficina… O Pierre Chofard veio para andar comigo a partir do seu segundo ano, e ficou 3 anos com a gente..


- Ficamos 10 anos com equipe própria, e nesses 10 anos ganhamos 9 campeonatos nacionais, com o Cristiano, o Cajurú, o Cesar e o Pierre.

Eu já estava com o Eric que era ainda pequenininho… e aí resolvemos levar ele para a Europa com 9 para 10 anos.


- Quanto a mim, eu andava na terra, endurance, etc. em qualquer lugar… Uma vez andei num Enduro das Praias, prova de 3 horas, fizeram uma moto pra mim, me chamaram.. Largaram 400 motos… era uma insanidade total (risos). Eu acabei chegando em primeiro na minha categoria (250cc) e quinto na geral… E só nao cheguei em segundo na geral porque eu caí na ultima volta… quando levantei a moto ela estava sem pedal de partida… eu tive que dar um tranco numa XL 250 no areião… e ainda consegui chegar em quinto…


- Eu fazia qualquer coisa com uma moto… passava em cima de Landau, fazia exibição, etc…era um capeta.. (muitos risos)



Ano - 1984 - Enduro das Praias

O NÚMERO 32


Santo Feltrin - Eu fui o 59 na primeira vez.

Mas no começo da formula honda, os números foram sorteados... e meu primeiro ano lá com numero 01 no sorteio...




Mas em 79 eu fui correr, e o Paulé era o 32... e dá-lhe sorteio novamente... Grande Paulé e aquela queixada (risos)... barbudão... e quando eu estava indo para a vistoria para o sorteio dos números que ficavam em envelopes, voce escolhia o envelope e tinha o número dentro.. e o Paulé parado do meu lado..


Na hora que eu fui pegar o meu numero, o Paulé, com aquela barba e a cara fechada manda essa... : "Moleque, voce vai pegar o 32... voce tem cara de 32.... voce é sangue ruim menino"... (muitos risos)


Eu puxei o envelope... e quando eu vi aquilo... 32 no papel... aí ficou esse número pra sempre, nao tinha mais como mudar (risos).

Santo Feltrin em 1980

O ACIDENTE

Santo Feltrin - Eu corri direto de 1977 a 1987 exatos. Em 87 eu sofri o acidente, e o meu disgnóstico foi muito duro. Eu tive fratura de vertebra, arrancamento de nervo da medulla, etc. Fiquei paralisado no lado esquerdo 2 meses e No lado direito o prognóstico era sem possibilidade de voltar a movimentar. Minha mão direita ficou virada, fechada como um pé de galinha.



Superbikers - Como foi o acidente Santo ?


Santo Feltrin - Eu estava parado num farol na Rua Verbo Divino (zona Sul de SP). Um carro veio por trás e me jogou longe, passei voando por um corrEdor de carros parados, meu braço prendeu num dos carros e meu corpo virou por cima do carro, arrebentando o meu braço e a coluna.


É como virar uma coxa de frango ao contrário. Eu quase morri.


Naquele momento eu estava com tudo pronto e fechado para correr no mundial em 88 e 89, com 250cc numa equipe official da Honda / Ajinomoto.


Eu tinha corrido o pre-mundial em 86 em Brasilia e fui quarto colocado com uma moto emprestada, que era uma moto velha do Alexandre (Alex Barros) que o Seu Coelho (Pai do Alex) me emprestou. Eu só corria de SuperSport de 4 tempos. Pois eu sentei na 250cc, fui lá com o Alexandre… a moto era chassi de treliça ainda… e mesmo pegando a moto uma semana antes, consegui a 4a. colocação. Coisas da vida, e o acidente terminou com todos os planos.


Mas eu estava vivo, e isso era um milagre, e era o que importava.






A LUTA e a SUPERAÇÃO


Santo Feltrin - Na verdade foi assim.. eu parei em 87 pelo acidente, fiquei 5 anos e meio afastado de corridas. Estava em contato com o esporte, tive uma equipe, também começei com a minha loja em 88. Eu nunca perdi o contato com as motos e com o esporte. Mesmo porque não conseguiria viver sem isso.


Meses depois do acidente eu fiz uma cirurgia com enxertos, transplantes, etc., coloquei aparelhos para manter o braço e a mão esticada, fisioterapia incansável durante anos, etc.


Bom, pelo menos meu braço estava no meu corpo, e dependia de mim recuperar os movimentos, quem sabe… Fizemos um aparelho, eu e um amigo meu da Mooca, personalizado e específico para mim, para que eu fizesse os exercícios de fisio em casa, a hora que eu quisesse. E eu fazia todos os dias…


Tres anos e meio depois de muito trabalho eu comecei a sentir uma micro-contração, um sinal de vida do braço… as pessoas não percebiam e não podiam sentir… mas eu sempre mantive a esperança. Minha ex-esposa pensava que eu estava ficando paranóico e que eu imaginava que o braço começava a voltar a vida… (risos). Ninguem acreditava, pensavam que eu estava ficando louco… (muitos risos)


Mas meu dedo começou a mexer… fiz exames que mostraram que estava começando a haver regeneração dos nervos… e eu lá, trabalhando nos aparelhos… Quando meu dedo começou a fechar a primeira coisa que eu quis fazer foi andar de moto… Meu braço não mexia mas eu encaixava a mão no acelerador e acelerava com o ombro… (gargalhadas).


Aquilo pra mim foi a glória…

O momento mais importante da minha vida foi quando eu vi minha filha nascer. Uma menina maravilhosa que não desgruda de mim graças a Deus. Uma grande parceira que trabalha comigo…


O outro grande momento foi quando o braço reagiu e eu voltei a correr. Era difícil mas eu consegui, lutei, e consegui (emoção).


Eu queria correr… estar lá de novo. A minha paixão pela motovelo era, é e sempre sera algo ilimitado. Assim como sempre foi iminente o meu lado de esporte de aventura. Eu faço o que tiver que fazer, parece loucura, mas é uma loucura consciente e planejada.


Enfim, consegui voltar e na minha primeira corrida depois do acidente e venci a prova. Isso aconteceu por causa da minha vontade, e não porque eu sou melhor que os outros. Posso nao ser tão bom em determinada coisa, mas a vontade de fazer o melhor por mim me leva a ter êxito.



Santo, retornando as pistas depois do grave acidente. Resultado de muita luta e rara perseverança



Superbikers - Passou algum filme na sua cabeça nessa sua participação nas 500 milhas, andando com tantos féras na sua equipe e nas outras equipes, tantos anos depois do acidente, e com essa linda carreira recheada de tanto esforço, tanta luta e tanta determinação ?


Santo Feltrin - Certamente que sim… a primeira coisa que veio foi o “apagão” que eu tive com o acidente e depois a luz de eu ter recebido de novo a bandeira quadriculada em primeiro naquela minha primeira prova depois do acidente, 5 anos e meio depois, com direito a Pole na chuva.


E isso com os amigos e pessoal da equipe me consolando por antecipação que eu ia andar atrás, pra eu não forçar tanto, sabe como é, etc… (risos)


Eu nunca fui frustrado… a pessoa frustrada se torna amarga, mas eu sempre mantive meu astral. Eu nunca me conformei e lutei… fiquei bom e andei na frente de novo.


O filme que passa é esse, e é uma satisfação. Pra mim andar de moto é como se eu estivesse sentado no sofa da minha casa vendo televisão. É tão natural pra mim colocar o macacão e andar que não tenho tensão, é relaxamento total. Minha ex-esposa ficava impressionado de me ver relaxado na noite anterior, como eu dormia bem, sem stress, sem tensão, etc. Nunca fiquei dando voltas na cama… (risos).


Não é que eu nao seja uma pessoa emotiva. Eu sou emotivo mesmo porque uma pessoa sem emoção nao consegue por seu curacao naquilo que vai fazer.


Mas eu sou uma pessoa contida, e quando voce consegue ter o controle e conter, voce consegue ser frio nas suas ações e colocar o racional em primeiro lugar.



PREFERÊNCIAS DE CIRCUITO OU DE CURVAS ? - AS MAIS DIFÍCEIS



Superbikers - Santo, qual seu circuito preferido, e nele, qual a curva mais desafiadora que te instigava mais a acelerar ?


Santo Feltrin - Interessante… Vou voltar numa coisa… que se hoje voce perguntar para o Eric talvez ele fale a mesma coisa… Ele tinha algumas preferências… do tipo eu gosto mais desse, menos desse…


Até que eu falei pra ele: É o seguinte… A pista está lá… (risos). As curvas estão lá… Voce é piloto de que ? Voce ganha corrida se fizer o que melhor que os outros ? CURVAS ! Então voce tem que gostar de todas as curvas e de todos os circuitos.


O que vai acontecer é que em determinados circuitos voce terá mais dificuldade. Então é ali que voce tem que se empenhar.


Se eu gosto muito de uma curva, eu vou cair nela. Todo mundo cai na curva que gosta. Sabe porque ? Ali ele ignora os riscos e passa do ponto. É ali que ele cai, por excesso de confiança. Eu caia assim, eu aprendi isso sozinho.


O circuito antigo de Interlagos era o mais completo para mim, de todas as pistas que eu andei no mundo.


Depois desse, e com condições muito diferentes, seria Almeria no sul da Espanha. É uma pista que nao recebe corrida de mundial mas é uma pista altamente técnica. Nao tem zebras muito específicas e é uma pista para voce andar muito na linha… tem reta grande, tem saca-rolha, curvas em descida, curvas em subida, etc.


Obviamente depois disso, Mugello na Itália, também muito completa. Assen também maravilhosa…

Eu gosto de andar em todas…(risos). Eu eu já andei em cada pista que hoje diriam que é suicídio… Hoje falam muito de segurança e tal, mas comparado com o passado, hoje “tá tranquilo e tá favorável” (risos).


Interlagos mesmo, tirando o Café, hoje não é uma pista ruim. No Café, ali sim, não dá pra errar…


De qq forma, esse lance de gostar de curva, etc... A pista tá ali… tem que gostar e tem que andar.. e tem que gostar de todas.


Nas que voce tem dificuldade, essa é o desafio…

SENSIBILIDADE versus TECNOLOGIA


Superbikers - Santo, olhando a safra atual de jovens pilotos que estão surgindo, o quanto voce acha ser importante para eles entenderem, compreenderem e trabalharem nas motos em termos de afinar, ajustar, tentar acertos, etc. para desenvolverem o feeling que o piloto de sucesso precisa ter para conseguir traduzir ao chefe de equipe o que ele está sentindo na moto. Alguma dica para a meninada ?



Santo Feltrin - Hoje, a tecnologia atrapalha muito esse desenvolvimento. A parafernália eletrônica é uma coisa que atrapalha.


Exemplo, ano passado eu fui um pouco recriminado quando eu falei que não iríamos usar nenhum tipo de telemetria. Zero. Voo cego. Nós tinhamos naquele momento que aflorar a sensibilidade do Eric.


Quando voce passa a ser um piloto de mundial, voce entra nesse mundo de alta tecnologia. E a eletrônica é uma coisa que pode enganar muito. Ela vai te dar uma informação baseada no seu banco de dados, o resultado será baseado nas informações que voce colocou lá no inicio. Ela nao vai te dizer faça isso ou faça aquilo. Com a base de dados no sistema, voce tem que inserir informações ali. Dentro dessa base de dados, o sistema via te dar em gráficos por exemplo, algumas informações de algumas leituras e voce tem que interpretar aquilo. E tem que saber interpretar.


Esse banco de dados tem que ser modificado e alimentado com volume de treinos, testes, corridas e resultados que voce vai obtendo. Aí que entra a qualidade das modificações e atualizações que voce irá fazer no sistema. Se voce nao tiver um piloto que entenda junto com voce todas as variáveis que voce precisa colher, modificar e personalizar na sua base de dados, o piloto não irá evoluir e vai até comprometer o resultado que o sistema está lhe mostrando. Vai acabar atrapalhando ao invés de ajudar.


Eu acho que os pilotos tem que se formar mais na parte mecanica, saber exatamente como as coisas funcionam… na parte de suspensões, não somente na regulagem, mas internamente como ela é… ficar atualizado com as novas versões, produtos, etc. E eu como chefe de equipe e preparador, tenho que estar muito atento a tudo isso.




O piloto precisa desenvolver uma maneira de raciocínio que crie métodos de trabalho. Isso é difícil, porque isso é muito pessoal em cada um. As vezes o cara é um bom piloto mas ele não consegue adquirir esse feeling, porque ele nem consegue reconhecer isso direito. É onde entra um bom técnico, um bom preparador, um bom mecanico, um excelente administrador de piloto.


Por trás de um bom piloto, tem no mínimo 3 pessoas, anotando tudo o que o piloto está dizendo. Cada um descobre uma peça no quebra-cabeça. Um é tecnico de suspensão, outro é técnico em eletrônica de moto, e o outro é tecnico em mecanica. E as vezes é bom ter um psicologo junto também (risos).


Esse entrosamento e a montagem desse quebra-cabeças com analise técnica e precisa faz a diferença entre um piloto excelente que chega em quinto de um piloto bom que chega em primeiro.


Um piloto bom, excelente em sensibilidade de acerto, andará na frente de um excelente piloto que não a tenha. A sensibilidade de acerto geralmente compensa qualquer equipamento.


É até dificil de explicar… vem com o tempo, os treinos, as pessoas que estão do seu lado para poder absorver tudo isso. No fundo é uma ciencia que deve ser desenvolvida.


Pilotar voce aprende, está em voce… posicionamento, estilo, voce pega com o tempo, desenvolve a técnica, etc… A cada curva em cada pista voce tem seu estilo. Mas o posicionamento nao pode ser sempre o mesmo.


Hoje acham que tem que colocar o cotovelo no chão toda hora... E pode notar… estão sempre do mesmo jeito…


Olha o Eric… Ele tem o estilo dele, mas em cada curva ele está de um jeito. O cotovelo tóca o chão no ápice em função da inclinação, e isso acontece somente se PRECISAR acontecer. Se tocar, toca por necessidade. O raspar é uma consequencia de um momento que exige aquele posicionamento quase totalmente fora da moto, visando unica e exclusivamente a performance.

Tem curva que voce tem que ser passageiro, e curvas que voce tem que ser condutor. As vezes uma postura mais comedida é necessária para o tempo vir. É tudo em função do cronometro.


Quando andam como fazem hoje, são sempre passageiros. Isso não funciona e não ajuda o relógio. Beleza nao se põe na mesa, eu quero eficiência. Pode estar feio ou bonito, eu quero meus 3 décimos mais rapido ! (risos).

RITUAL

Superbikers – Rituais antes das provas… algum Santo ?

Santo Feltrin - Não tenho isso, só o sinal da cruz e uma oração..

Ah sim, uma única coisa envolvendo esse assunto… Se o meu capacete virar de ponta cabeça, me dá outro, aquele já era.


O capacete ficou de ponta cabeça eu não uso mais. Não ponho no chão e não viro de ponta cabeça nunca.

SEGURANÇA NO AUTODROMO

Santo Feltrin - Me lembro como se fosse hoje... eram uns pontaletes de alambrado de parque... 3 camadas de alambrado presos em pontaletes... antes do guard-rail... voce olhava aquilo e achava que protegia...


Em 1981, quarta-feira treinando em interlagos, lider do campeonato, na subida do lago... meio manchadinha a pista... mas virando rapido... virei 4.00 (traçado antigo).. cheguei na subida do lago, e frum..... chão... macacão de pelica...



Ele nao rasgava.. ele comia a pele por dentro... caí e fui chegando no alambrado... e dei bem no meio do pontalete....rsrsrs Não tinha nada... ambulancia, resgate perto, nada.... Foram 2 costelas pro saco fora os ferimentos na pele... E eu líder do campeonato e tendo que correr nem que fosse deitado....


Larguei no domingo... que dor.... O De Santi (acho que era ele) era o unico que podia me ameaçar... se ele ganhasse ele era campeão brasileiro... Última volta e eu em sétimo, gemendo de dor e quase não aguentando mais (aliás, já não aguentava mais desde a largada....rsrsrs)...


Na ultima volta eu emparelhei com ele na junção, ele triscou o freio e caiu...não nos tocamos. Aí terminei em 5o. e fui campeão brasileiro, todo quebrado e ralado... (risos).


Hoje e gente reclama da segurança, e obviamente quer sempre mais, mas as pessoas que viram e lembram sabem como era no passado, e hoje é, sem dúvida, muito melhor...

24 Horas de BARCELONA aos 48 anos...

Santo Feltrin - Caí de cabeça uma vez...... e andei com a clavícula quebrada...


Com meu capacete xodó, eu caí em Barcelona com ele em 2008 , e bati a cabeça no chão.. no começo da frenagem, em 5a. marcha, no pau, uns 200 por hora ou mais...

Aí ele virou souvenir, meu lindo capacete comemorativo de 30 anos de carreira... e foi por isso não corri as 500 milhas com ele.


Aliás, esse tombo nas 24 horas de Barcelona... Era a minha última tocada na pista, uns 10 minutos faltando para eu entregar a moto ao outro piloto, parte final da prova... eu caí feio... tombo forte como falei acima.


Eu levantei cansado, ofegante, fui correndo atrás da moto. Quando eu fui pegar a moto, "plóct"... a clavícula quebrada... Rolou um enjoo, uma náusea...


Mas abri a viseira, abri um pouco o zíper do macacão, vi a moto que não tinha quebrado nada... o macacão é o que aparece na foto eu segurando inclusive... Eu sentei, a moto pegou... saí da caixa de brita... ela toda ralada, mas sem nada quebrado... Fui pro box com a moto, mas estava meio tonto e enjoado, acabei passando a entrada do box...


Tive que dar a volta completa, e fui no pau, para voltar pro box e entregar a moto...

E a clavícula me lembrando a cada segundo que estava quebrada..., que lembrança dolorosa... (risos).


Quando eu cheguei no box, e os caras viram a clavícula quebrada, fui aplaudido pelo pessoal da minha equipe e das equipes ao lado... Foi uma cena gloriosa que nunca esquecerei. Pela luta, com aquela dor... Foi demais.


Estávamos em segundo e chegamos em quarto por causa do meu tombo. Mas foi algo glorioso, foi uma vitória pessoal minha. E isso aos 48 anos de idade, em 2008. E foi assim a minha estréia em corridas na Europa... , com uma 600cc. Com esse macacão da foto aí...

Santo segurando o sagrado macacão usado nas 24 horas de Barcelona

CORRER DE NOVO...


Superbikers - Podemos esperar voce andando forte de novo na pista ?


Santo Feltrin - Ah, acho que não, praticamente tenho certeza que não. Agora eu já não tenho essa vontade de eu mesmo acelerar forte em competição. Esse é um esporte que exige muito treino, muita dedicação… e agora me falta tempo para isso em função dos outros papéis que eu assumi com a equipe e com a minha vida. Isso sim quero fazer bem feito, com a maxima dedicação.


Eu até sentei na moto nas 500 milhas, acelerei forte e fiz meu papel.. para um cara que não anda mais de moto regularmente, nem treina, etc. eu andei forte nas 500 milhas, para o meu estado naquele momento. Mas já andei muito mais forte que aquilo na minha carreira..


Hoje eu prefiro fazer o melhor de mim em outras funções, onde eu possa desempelhar bem e ajudar a equipe, os pilotos, etc.





ERIC GRANADO


Santo Feltrin - A gente andava de moto desde o inicio… Eu, o Marquinho, a Rose… o Eric nem existia ainda….rsrs


Mas já tínhamos uma amizade enorme…

Um dia fomos assistir uma corrida em Daytona/Floria/EUA com a Nicole que já era nascida, e um dos dias por lá fomos ao Bush Gardens (parque temático na cidade de Tampa/Florida).


Santo, Marco Antonio (pai do Eric) e Eric Granado


Numa das lojinhas de lembranças do parque tinha um monte de plaquinhas com nomes.. O Marquinho pegou uma plaquinha com o nome Eric, me mostrou e falou: “Santo, eu vou fazer o filho, vou correr atrás do dinheiro, e voce vai fazer o piloto”. A Rose não estava nem grávida naquele momento… foi algo sensacional, olhando agora pra trás e vendo como tudo aquilo se concretizou.


O Marquinho é um baita brigador… sempre foi. As vezes deve até ter gente que acha que o Eric nasceu em berço de ouro, mas isso não é verdade. Nunca existiram recursos naqueles tempos para gastar dinheiro com corrida.


A primeira motinho do Eric, pegamos um motorzinho Zanela e eu construi o quadro. Ela é monochoque e o amortecedor traseiro é de bicicleta. Fiz a motinho aqui, nessa oficina onde nós estamos. Antes havia um torno, e eu fazia muita peça na mão.. sou torneiro mecanico e me virava na época, fazendo cabeçote de corrida, peças, etc.


Nós começamos assim, o Eric com 6 anos de idade, demos a motinho de presente de aniversário para ele, e ele andou pela primeira vez com ela no Kartodromo de Itu.




Superbikers - Quer dizer então que o Eric nasceu para ser piloto, com o futuro já formatado para isso…


Santo Feltrin - Ah sim, o Marquinho sempre teve ciencia das coisas… e dizia naquele momento: - "Hoje isso é um brinquedo para ele…, mas ele vai gostar do brinquedo…".


Existia é claro, e nós sabíamos disso, a chance de uma hora ele enjoar do brinquedo e não querer mais… chegando na adolescencia podia querer andar de skate, jogar futebol, etc. mas isso não aconteceu. Ele cresceu e continuou cada vez mais apaixonado pelo “brinquedo”, sem nunca ter um desvio ou sequer demonstrar que estava em algum momento ficando cansado daquilo. Coisas do destino…




Talvez pela formação que ele teve, vendo o pai sempre brigando para colocar o filho para correr… eu, sempre por perto, até para trocar fralda dele quando era nene… (risos).


As nossas familias viajavam juntas para férias, alugávamos casa na praia e ficávamos juntos… Nosso filhos sempre foram como irmãos… Ele cresceu sabendo da minha história, sempre conversamos muito, fazemos coisas juntos até hoje, nao só relacionado a moto… mas outros esportes e atividades como o ciclismo de aventura, etc.


Demos sorte, pois eu tenho a experiencia e a maturidade da idade (55 anos) com a vitalidade de um jovem. Acho que com o tempo, com tantas conversas e com toda essa convivencia, eu consigo fazer ele entender e usar a juventude dele com a minha bagagem de vida.






Superbikers - É que com a experiencia que voce tem voce meio que já sabe a consequencia de alguma atitude que ele tome agora. Voce consegue quase que antever o que virá pela frente, dependendo do rumo que ele der para algum assunto ou atitude. É isso mesmo ?


Santo Feltrin - Vários falam ou pensam que eu ensinei tudo para o Eric, mas não… a gente n˜o ensina as pessoas a fazerem as coisas.. O que consigo fazer até hoje é encurtar ou facilitar o caminho dele… e ele ouve. Ele podia não aceitar, mas é aplicado, ouve, entende. E principalmente, ele confia, e age exatamente como orientado, desde que isso seja para melhorar sua performance. Ele não tem medo, ele não hesita.


E eu também confio no que ele me diz. A grande dificuldade de uma pessoa que já tem tanta experiencia em corridas é ouvir e respeitar o que um jovem tem pra te dizer. E esse é o grande lance do negócio… Com a idade, é normal voce se tornar reticente quando um jovem vai te falar alguma coisa… pois voce acha que ele não tem experiencia ou que está falando não tem fundamento…


Enfim, vai acabar julgando mesmo antes de ouvir. Mas o que eles falam tem muito valor, principalmente quando estão em cima da moto. As vezes voce pode achar que é a coisa mais absurda mas nao é.




Superbikers – Voce “corre junto” com o Eric quando voce está nos box vendo ele andar ? Voce sente a pista junto com ele ?


Santo Feltrin - Sim, eu preciso. Por acho que temos uma sintonia muito grande, em tudo. E tenho que fazer isso, e não faço isso só com o Eric.


Faço isso com todos os pilotos.


O Eric é uma situação que vai muito além disso, e eu busco uma relação mais proxima. Para ter exito no que vou fazer, eu preciso conhecer bem minhas “ferramentas”. Com o Eric, eu separo o sentimento familiar que tenho por ele, e ele por mim, e ele é uma ferramenta para mim da mesma forma que eu sou para ele.


Por exemplo, com o Serginho Laurentys a mesma coisa. Somos amigos há muitos anos. E ele também é uma pessoa responsável pela carreira do Eric, nós temos um staff, eu não sou o unico. Temos pessoas muito importantes nesse caminho, e o Serginho é uma delas.


Na Foto - Serginho Laurentys e Santo Feltrin em momento de alegria e brincadeira nos box


O Serginho deu um salto enorme em 2015, porque ele aceitou ser a minha ferramenta, e ele também soube usar a mim como recurso. Ele entendeu que um piloto precisa fazer muitas coisas para atingir um objetivo, e evoluiu tremendamente.


Pela idade e pelo pouco tempo de dedicação que ele pode ter no esporte, o Serginho andou na frente, evoluiu de forma maravilhosa, e isso foi muito recompensador. Fomos nos engajando juntos, andando de bike para treinar na ciclovia, e íamos conversando e desenvolvendo uma relação além da grande amizade, mas sim focados em performance. E deu certo.

Santo e Eric Granado

Superbikers – Santo, tem algo de psicológico em tudo isso não tem ?

Santo Feltrin - Ah sim, é TOTALMENTE psicológico. Toda essa coisa que eu tenho com o Eric, que tive com o Serginho, e também com Pierre, com o Cajuru…

Sensibilidade / Persistência / Controle da mente sobre o corpo

Superbikers - Talvez o piloto conseguir entender as reações da moto na pista, e depois conseguir traduzir nos box seja uma das suas maiores qualidades ?



Santo Feltrin - Exato, e esse foi o maior trabalho que tive com o Eric. Quando a pessoa sabe guiar, ela sabe guiar e pronto. Tem muita gente que guia bem, mas também muita gente que não se acerta bem.


Não sabe entender a reação da máquina e nao sabe alinhar sua principal qualidade e/ou característica enquanto piloto e tirar proveito daquilo com o equipamento que tem em mãos. E também reconhecer a sua falha e lutar para minimizá-la.


É muito comum o piloto dizer que é bom em tal coisa… então ele fica naquela coisa, porque está confortável e é bom naquilo realmente… Só que aquela sua qualidade tem um limite, e as vezes ela pode até te levar pro chão.


Voce não vai tirar toda a sua diferença ou extrair todo o seu melhor tempo naquilo que voce é bom. As vezes, naquilo que voce é deficiente é justamente onde está o melhor resultado. Voce pode nunca suprir completamente a sua deficiencia, mas se voce trabalhar e duro para melhorar seu ponto negativo em 50%, o resultado final pode ser muito maior do que voce tentar melhorar sua qualidade em 120%.



Ou seja, trabalhar as deficiências muito provavelmente irão te der um melhor resultado do que tentar melhorar ainda mais aquilo que já é uma qualidade sua.


O acima, eu acho, não vale só para o motociclismo, mas em tudo de maneira geral, e em todos os esportes.


Eu já pratiquei vários esportes e em todos eles eu tive exito.

Talvez algo importante para o Eric seja olhar para esse meu lado e aprender com isso. Eu fui judoca, treino até hoje e sou faixa preta. Gosto de esqui aquático, também esquio bem na neve, já joguei basquete, mais tarde me meti mais forte com bicicleta em aventuras, longas jornadas, etc. bom bastante exito.


Então acaba que a nossa convivência, tudo o que fazemos, tem esse lado de esporte, de competição, um competindo sempre com o outro de maneira muito saudável, sempre disputamos… Tudo é uma brincadeira mas tem um fundo de lição, de tentar melhorar e desenvolver a competitividade.




Eu já judiei muito dele (do Eric - risos)… no ciclismo por exemplo… ele sofria. Mas hoje eu não posso mais com ele… Ele ficou forte, resistente, mas pra chegar nisso ele sofreu muito e desenvolveu a qualidade de não impor mais um limite no sofrimento, na dor.


Eu massacrava ele na bike nas subidas… ia, voltava e ele lá subindo… aí falava pra ele respirar, ir mais longe… buscar as forças. Aprender a respirar é tudo, na bike, na moto.. a força do abdomem e a respiração é muito importante na moto.




Quanto ao ciclismo é o esporte mais duro que existe… Já fiz de tudo, esporte de aventura (campeão Sul-Americano e Brasileiro de corrida de Aventura por exemplo), mas o ciclismo é duríssimo, é sofrimento puro, com provas de 8, 10 horas… Em 2010 corri a Ultra Maratona Brasil Ride em prova de 700km na Chapada Diamantina, com etapas de 12 horas… uma dureza cruel.


Por isso que sempre digo.. temos uma capacidade de reação e da cabeça comandar nosso corpo que desconhecemos. O limite está na nossa cabeça. Nós é que impomos o limite.


E com isso vem a auto-confiança.


A prova que o Eric ganhou recentemente no Campeonato Europeu é prova disso. Isso faz parte do trabalho e é fruto desse trabalho duro.

A EQUIPE GST


Santo Feltrin - Nós não temos pressão na equipe.. É só o Eric ganhar a corrida que não tem pressão... ganhou pra mim não tem nenhum problema (muitos risos)...


Nossa equipe, ao mesmo tempo que é muito séria, tem um ambiente leve.

Eu faço muita reunião...


Por exemplo, os mecanicos por mais que tenham prática, sempre querem comer steps, está no sangue e eu sei como é porque trabalhei em oficina desde menino, lembram ? ... Não adianta dar bronca. Como líder eu tenho que estar atento. Eu tenho o mecanico pra fazer, eu preciso dele, e ele precisa de mim. Ninguem é mais importante que ninguem. Então é questao de conversa, levo pra reunião e a gente acerta, sem atritos.


Digamos que na gente mostra o caminho "com jeitinho"... e esse "jeitinho" dá certo... (risos).


Eu assumo a responsabilidade, e eu respondo pelas coisas. Então as coisas têm que acontecer.


E agora vamos com tudo para o Superbike Brasil.

MARCAS E EQUIPAMENTOS

Superbikers - Santo, voce gostaria de citar algumas marcas de equipamentos que voce usa e usou ? Qualidade, dicas, etc. ?


Santo Feltrin - Bom.. qual moto ? Eu tenho uma marca que represento (Yamaha). A verdade é que hoje todas são muito boas… Elas tem estilos diferente, engenharia diferentes mas todas são ótimas motocicletas. São feitas para atender o seu gosto, o meu gosto, o gosto de qualquer um.


Capacete... lá atrás, ARAI... eu já usava em 84... era o melhor que tinha pra mim. Aquele Arai pintado verde que está na MotoStory com o meu símbolo SF, que é o simbolo da loja e o que minha filha tatuou no braço dela e quase me matou do coração porque eu não sabia que ela ia fazer isso......... tenho ele até hoje.. (risos).


Hoje, eu e o Eric usamos Capacete SHARK, produto espetacular.


Botas - Alpinestar.. as que o Eric usa hoje... Eu já usava lá atrás, aquelas com protetores de aço do lado... Quando não usei essa, quebrei o dedinho na pista durante a corrida... gastei o osso dele no asfalto porque a outra bota abriu. Meu dedinho esquerdo vira pra trás sozinho, é molenga... e é todo moído, está solto e bamba no pé... (muitos risos).


Macacão, o excelente Alpinestar já há muito tempo pois temos uma parceria de muitos anos com eles e são maravilhosos.

LIDERANÇA

Santo Feltrin - Acho que na criação que damos para os filhos, a coisa da troca é importante...

Nao sou autoritário, sou uma pessoa definida.


Eu falo o que preciso falar. Tem N maneiras de se falar isso... e de chegar no objetivo necessário. Dou a diretriz e deixo fazer, vou acompanhando para ajudar no rumo certo se precisar. E a pessoa vai entendendo. Se tiver sugestão pra mudar sem problemas. Eu ouço e analisamos juntos, se estiver ok, sem problemas e mudamos. Essa é a função de um líder, algo bem diferente de chefe.


Tenho funcionários aqui na loja há 20 anos comigo. Mecanico top que entrou aqui lavador de motos. Vendedores de moto com 12, 16 anos de loja. Mecanico o que tem menos tempo já tem 4 anos.


Aqui nao tem chefia no chicote, tem proximidade e liderança, com justiça e flexibilidade, mas sem deixar os objetivos de lado.

Pilotos de ontem, pilotos de hoje


A galera não vê o que a gente já passou em nome desse esporte... já vivemos tanta coisa...

Hoje é mais fácil para analisar... temos mais informação imediata, equipamento, etc.


Mas o esporte é mais difícil para o piloto hoje, tem muito mais informação, mais variáveis, etc... muita analise e estudo que ele precisa estar presente e participar ativamente nas decisões, etc.

O piloto de hoje tem que ser muito mais completo do que era na minha época.


Eu sei porque se eu pensar e agir hoje como na época que eu corria, eu ia ser um piloto muito limitado para os dias de hoje.

O preparo (suspensão, motor, etc.) eram muito mais limitados em termos de ajustes... não tinha clicks.. trocar mola era na gambiarra... etc.... mas o bom foi que aprendemos muito com aquela coisa básica toda... e usamos hoje, apesar de toda a tecnologia.


Hoje o piloto precisa ser muito mais completo pois ele precisa aprender a tirar proveito do que tem... Tem que acertar e tem que saber acertar. São muitas variáveis. E tem que saber explorá-las senão a performance máxima não vem.

O JUDÔ, a HUMILDADE E O FAZER PARA VOCE MESMO.

Santo Feltrin - Eu pratico Judô desde criança. Por sinal, minha irmã achou essa semana em Campinas alguns diplomas meus de judo daquela época. Diplomas de Campeão Paulista, 3o. lugar no Brasileiro, etc.…


Um esporte onde aprendi muita coisa. A disciplina, a perseverança, a concentração, ficar atento a movimentos, a antecipação, e principalmente o respeito ao oponente. Eu nunca trato uma pessoa que disputa algo comigo como adversário. Adversário para mim tem outro sentido.


Respeitar, e sem demagogia. Aprendi a ser melhor que o oponente por mim mesmo, não para ser melhor que ele. É diferente.


Faço as coisas por mim. Tenho alguns poucos troféus aqui nessa sala reservada, mas os outros 113 que tenho estão todos encaixotados.


Tirando esses que voce ve aqui, não tenho nada exposto na minha casa, na loja, em lugar nenhum. Tudo que fiz eu fiz pra mim, não para ostentar. E eu sei a história de todos eles, como foi, o que eu passei e o que tive que fazer para conseguir aquilo.



Não exibo, não preciso disso. Minha ex-esposa sempre respeitou isso, mas ela achava que eu tinha que expor em casa, numa sala e tal, com parede de posters e troféus, mas eles vão virar pó..


O que eu fiz, está aqui dentro nas minhas memórias, na minha cabeça, e é o que importa.

Superbikers – Quem tem um projeto muito bacana para resgatar e preservar essas memórias é o Carlãozinho com o Moto Story… algo com ele da sua vida ?



Santo Feltrin - Então, a Débora, minha ex-esposa começou a fazer isso. O que eu tenho de material organizado e guardado foi feito por ela, e muita coisa disso está com o Carlãozinho que irá digitalizar e organizar para virar parte do acervo. Artigos de jornais, fotos, etc.


Aliás, são tantas coisas, tantas histórias que o Carlãozinho me disse que um dia temos que fazer um “documentário” sobre a minha vida, porque tem muitos detalhes que lembro como se fosse ontem… coisas minhas e de muitas outras pessoas… (risos)

RECADO PARA A GALERA DA RUA...

Superbikers – Qual o recado que voce gostaria de dar para a galera que anda rápido na cidade ou nas estradas ?

Santo Feltrin - Bom, eu abomino esse tipo de coisa.. eu perdi amigos, clientes.. tenho amigos em cadeira de roda.


O Milton é uma amigo fantástico, eu me espelhei muito nele.. também o preparador Luzia, um preparador que eu tive depois de muitos anos… Eles eram rivais, pra mim os melhores… O Milton, o Luzia, o Paco, o Sarachú…


Minha avó dizia que a morte só é ruim pra quem fica… Se voce morrer, acabou. Mas pra quem fica é ruim.. voce deixa filho, mulher, familia, mãe, pai… e se voce nao morre é pior ainda, porque se voce ficar invalido, verá o tamanho da cruz que irá carregar.. voce passa a ser dependente.


Eu não tive o acidente fazendo barbaridade na rua… Eu sei o que é ficar quase 5 anos ferrado, exigindo das pessoas… Era apenas um membro superior, e eu sei o transtorno e o sofrimento das pessoas que conviviam comigo. Sem querer, eu causei sofrimento pra minha mãe, minha ex-mulher me carregava… meu primo, meu tio… eu sei o que causa… e é terrível.


A moto é um dos brinquedos mais fascinantes, que te dá muitos prazeres. Desfrute do lado bom dela. Se quer correr, vai pra pista, tem tanto Track-Day atualmente…


Pega sua mulher, namorada, amigos, vai almoçar em algum lugar… faz com calma, pra curtir… Algum amigo vai passar e tirar onda, problema dele… deixa ir.


Eu era arteiro, eu aprontava… mas aprendi. Quando eu fui pra pista, querendo ser piloto, e me conscientizei, eu parei com isso. E mesmo assim, quase morri sem ter culpa…


Na pista eu fiz exibição de moto, shows, fiz na F1, Stock Car, etc… numa XL250, moto de rua… e fazíamos malabarismos no autodromo… Mas na rua não dá.


Na rua, se o cara me passasse tudo bem, porque se eu fosse atrás e passasse o cara, eu ia levar o cara pra morte, porque eu já sabia fazer a coisa bem feita naquela época com a experiência de pista. É muito perigoso.

Santo fazendo acrobacias, na foto escalando um Landau com a moto

HISTÓRIAS

Cuva do CAFÉ - E a marca da BOTA NO CAPACETE...

Santo Feltrin - Na subida do Café, em Interlagos.. bati a cabeça na minha bota uma vez... mas não me pergunte como... (risos). Um cara quebrou e atravessou a pista pra voltar aos box, e eu fletado vindo... ele não me viu. Eu virei a moto na hora, eu tranquei a moto e tirei a perna... deixei ela travar e virar...


A moto e eu subimos e passamos por cima do cara e da moto dele, e fui pro chão de quadril.. Graças a Deus não acertamos o cara... o Cerciari e o Cajurú viram essa cena e pensaram que eu tinha quebrado no meio...rsrsrs


Eu subi e só lembro que o capacete bateu na bota, ficou um risco vermelho no Arai...rsrs mas não sei como. Eu apaguei, mas só torci o tornozelo, nao quebrei nada... bom macacão, bom capacete, boa bota e piloto inquebrável...(risos)


A moto moeu e o Luzia passou a noite fazendo outra moto. No dia seguinte, sob chuva, ganhei a corrida... Isso lá em 1986...

A CAMA QUENTINHA NO BOX DE INTERLAGOS

Santo Feltrin - Na segunda corrida em 77 de cinquentinha minha mãe acabou sabendo que anterior eu tinha ido andando com a motinho, por estrada de terra de noite e tal...


Aí ela falou para dessa vez eu arrumar alguém que tinha carta... que aí me emprestava o fusca... (fusca 72 amarelo colonial dela)... aquele que eu roubava a chave toda hora e acabei capotando na porta do cemitério (muitos risos), mas isso conto mais pra frente...(gargalhadas).


Eu chamei o Aubri, amigo meu, o prof. pardal do pedaço.. Bom, arrancamos o banco traseiro do fusca, arrancamos a roda da cinquentinha, enfiamos a moto lá dentro e eu fui lá atrás enfiado em cima da moto e meu irmão na frente...


Chegamos em Interlagos, um frio medonho, de rachar, aquela neblina horrorosa... e a gente em 3 dormindo dentro do fusca nos box...rsrsrs


Uma hora não aguentei mais, e morrendo de frio.. liguei o fusca deixei esquentar... e deitei embaixo do fusca, pra pegar o calor do motor, com o macacão de couro... Mas esfriava rápido depois que desligava o fusca....


Como o box era aberto e não acumulava gás carbonico o suficiente para nos matar (risos), uma hora deixei o fusca ligado em "marcha-lenta" e fui pra debaixo dele dormir no quentinho... embaixo do bloco do motor... Acordei com um pingo de óleo quente no pescoço...rsrsrs, acordei num pulo, batendo a cabeça embaixo do motor no miolo do escapamento...... baita cena... inesquecivel...




OS PULOS


Santo Feltrin - Uma vez em 1980... com 18 anos... pulei da janela do segundo andar do hotel Atlantico Sul, no Recreio, na piscina lá embaixo... quando a gente ia correr, eu e meu irmão... Tenho isso filmado... ( nota do repórter - e tem mesmo, está no Facebook do Santo para quem quiser ver....)


Depois pulei de novo muitos anos depois , tinha uma menina na piscina quase morreu do coração de susto... um cara caindo na piscina lá de cima... um cara saindo da água que não tinha entrado mas sim se jogado lá de cima....(risos).


Neste link o vídeo do segundo pulo da janela do hotel:


Na Grécia pulei também no mar, de um baita lugar alto que os caras de lá pulavam... tinha que subir uma pedra que nao acabava... lá em cima, agua transparente, eu pulava mesmo....rsrs Cara que desespero porque caí fundo na água e a superfície não chegava e o ar acabando.....Não sei de onde vem essa coisa de ficar pulando.... (muitos risos).


Santo em 1992

FECHOU O PAU EM INTERLAGOS

Santo Feltrin - Essa é muito boa e quase inédita pois contei uma vez só muito tempo atrás...Bom.. em 1979 eu achava que eu não tinha jeito pra coisa... e o meu irmão Cecílio corria também... ele andava bem, ele era mais valente que eu... eu achava que ele era melhor que eu. Mas ele não tinha calma nem paciência e não tinha feeling pra acertar a moto. Ele andava muito forte, mas era bruto... E caía rsrsrs


Sempre fomos muito amigos, e muito parecidos... tinhamos facilidade de fazer amizade, todos gostavam da gente... a gente acampava nos box, dormia lá... e fazíamos amizades...


Nessa ocasião eu dormi no box, vim com o fusca branco...eu dormia no fusca como sempre.. vinha dirigindo o fusca com 17 anos e trazia a moto na carretinha... Mas nessa mesma noite meu irmão foi dormir na casa do Salvatore Amato que era um coroa que corria de Ducati, e o filho dele o Amatinho, corria de cinquentinha..


Até aí tudo bem... até que no domingo cedo, bem chuvoso, deu uma baita pau para eles entrarem no autodromo porque eles não tinham pego credencial. Porra, eles iam correr... o meu irmão, o Amato...E o Amatinho numa Kombi, sem credencial tentando entrar no autódromo.. Arrumaram um baita pau de porrada para conseguir entrar no autodromo... E não entraram..


O Cecílio, meu irmão, também adorava uma briga e fechou o pau lá junto. Não adiantou, não entraram...


Conseguiram chegar só até a arquibancada, e lá ficaram... O Cecílio tinha a corrida pra andar... e eu lá nos box com o fusca e a moto.. Não sei como conseguiram me mandar um recado pelo Carlão (que era um amigo nosso motorista de taxi) com o meu irmão dizendo pra mim que não ia correr, que estava chovendo e tal.... E a hora da largada chegando...


Só tinha eu no box, ele não podia nem entrar... rsrs E eu não corria mais... a gente tinha grana pra uma moto só, e eu achando que ele era melhor que eu ficamos só com ele andando. Foi um momento de pane mental na minha carreira que eu achei que era muito técnico mas que o arrojo do meu irmão prevalescia, então a moto era pra ele andar. Só ele.


Mas aí, naquela situação, a briga e tal, e eu sozinho com a moto no box... não tive duvida, meti o macacão...


Tinha um cara, o Osvaldão (querido amigo Osvaldo de Oliveira), puta cara gente fina, meu amigo até hoje, da Cozinhas Oli, que tinha uma fabrica de cozinha e que iria ser patrocinador nosso, esse cara me ensinou muita coisa, ... bem, a moto tinha que andar...(risos).




Bom, vesti aquele macacão cor de cocô de nene (marrom horrível)...rsrs, meti o capacete, a bota, tudo do meu irmão, fui pro grid, larguei, briguei, liderei a corrida e cheguei em terceiro... Subi no pódio, fui receber o premio em dinheiro, assinei como ele... carreguei a moto e fui embora.. Isso sem ninguém perceber que era eu e não o Cecílio que estava ali....(gargalhadas).


O único que percebeu um pouco foi o meu amigo Quinho Caldas.


Anos depois, quando eu voltei a correr depois do meu acidente, teve uma grande matéria sobre nós feita por um grande repórter amigo meu de Taubaté , e ali, muito tempo depois, o Quinho começou a dar risada na gravação e pediu para eu contar essa história que era um boato e tal, que eu tinha corrido no lugar do meu irmão lá atrás... aí eu comecei a rir e contei. Foi a única entrevista que eu contei essa história quase inacreditável. Mas, o Quinho estava lá, e tinha percebido...rsrs E era verdade...


Nós éramos muito parecidos, eu e meu irmão. E meu irmão vibrando na arquibancada!


O fantástico de tudo isso é que tal patrocínio saiu. O cara da grana virou pra mim e falou.. voce estava enganado. Voce tem futuro e voce tem que correr, voce e seu irmão. E eu vou patrocinar as DUAS motos, para voces dois.


Ve como é a vida ? Ele comprou duas motos zero km, carenagem, equipamentos, capacete, macacão, fez contrato, me ensinou muita coisa... e foi o ano que eu quase fui campeão, fui pro Brasileiro, me firmei, ganhei corrida, etc...


Se aquela briga na porta de Interlagos nao tivesse acontecido, meu caminho poderia ter sido outro e minha carreira poderia ter acabado ali em 79. De uma história engraçada sai uma guinada na vida e num destino... Ve como são as coisas da vida...


Apesar dessa história engraçada, nós tiramos muitas lições de tudo isso...

Santo comemorando mais uma vitória em sua brilhante carreira

O FUSCA e o CEMITERIO....

Santo Feltrin - Minha mãe tinha um fusca 72 amarelo "colonial", aquele que acabou virando o transporte da motinho...

Ela dormia com a chave do fusca na mão...a argolinha do chaveiro encaixada na mão ou num dedo..rsrsrs


Eu enviava um palitinho ou alguma coisa que eu conseguisse na mão dela devagarzinho... até a chave cair da mão dela... pegava a chave e fugia com o fusca... Empurrava ele da garagem desligado pra não acordá-la... depois dava um tranco na descida para o fusca ligar e me mandava.


A gente tinha mania de montar 2 turmas a noite com 2 carros e entrar dentro do cemitério pra fazer farra... Cemitério da Saudade em Campinas, onde meu pai está enterrado.

Tinha uma parte de trás na rua, na chegada do cemitério que tinha um monte de curvas.. e eu fazia daquilo um circuito, de madrugada...


Os bailinhos "mela-cueca" já tinham acabado e a gente partia pro cemitério... no maior pau...

Meu irmão lá, João Primo, a galera toda e eu levantando as rodas do fusca nas curvas do cemitério... naquele circuito imaginário...rsrs eu era infernal no alto dos meus 14 anos de idade...(muitos risos).


Nma das curvas, o fusca levantou, ficou em duas rodas, triscou a guia e levantou mais... ficou de lado em 2 rodas a fuquinha... aí eu vejo um poste na minha frente... tentei virar o fusca pra ele tombar, mas ele pegou num canto da guia e deu aquela faisqueira da limada que o fusca levou na lateral... acabou com a lateral do fusca.., aí tocou no poste, virou e parou de pé...rsrsrsrs


O João Primo gritando... :"vai explodir, vai explodir".... (muitos risos). Eu saí correndo do carro... eu estava colado no banco segurando no volante Carrera (eu já tinha colocado o volante no carro.. minha mãe não entendia porque a direção tinha ficado dura e nem tinha se tocado...), peguei o extintor de incencio e saí do carro aos pulos.


Não explodiu nada, mas o teto, do lado do passageiro... rsrsrs Sabe aquela lata de presuntada da Swift que voce abre a lata com aquela chavinha que vem nela ? O teto ficou parecendo aquela lata de presuntada aberta com chavinha...rsrs Os paralamas ficaram chatos, alinhados com as rodas.


Isso tudo foi na parte de trás e fora do cemitério... acabou com a lateral e o teto do lado direto do fusca...


Bom, entrei no carro, ele pegou... entramos no cemitério e fomos pra farra.. eu já estava ferrado mesmo então pelo menos ia farrear o resto da madrugada... A gente jogava pedra no chão pra ver as labaredas azuis de noite, por causa do fosfato que ficava rente ao chao... gerado pelos ossos enterrados.. aquelas coisas...


Acabou a farra, voltei pra casa... com o fusca destruído do lado direito... empurramos o carro de traseira na garagem (ao contrário da minha mãe que parava sempre de frente). Dessa forma no dia seguinte ela não veria a lateral detonada... como se isso fosse resolver alguma coisa. O lado do motorista estava perfeito.


Entrei e fui dormir.


De manhã, escutei a porta abrindo, o barulho do carro ligando, e ela saindo....rsrsrs.. Ela saiu de frente naquele dia, foi na padaria comprar pão para os filhos.


Depois foi no açougue do meu tio (Jorge, irmão dela) comprar carne.... Ele estava embrulhando a carne e tal, olhou pro carro parado na porta do açougue, e falou "Oh Phina (Josepha), seu carro tá estranho... tá meio torto".... rsrsrs.. Ela (sem ainda ter olhado para a lateral direita do carro) : Nada Jorge... vim andando e o carro tá perfeito... ele saiu pra mostrar pra ela o outro lado ela... "Olha Phina, tá estranho tudo isso aqui amassado... o que fizerem com esse carro Phina? Olá o teto dele Phina, parece uma lata de sardinha aberta" (gargalhadas)


Aí ela, com aquela calma de sempre... (minha mãe é uma Santa): "Noooossa Jorge... o "Santinho"... acho que ele pegou o carro essa noite né..."


Bom, ela pegou o carro e voltou pra casa... e eu lá dentro... escutei o carro entrando na garagem, e pensei... "bom, agora ferrou geral"...


Ela chegou com a maior calma... tirou as coisas, foi pra cozinha, colocou a carne na geladeira... até que escutei ela subindo a escada... e eu na beliche, na parte de cima....rsrs


Minha mãe... pensando que eu estava dormindo... "Santinho... filho...., machucou filho ?" Eu fingindo estar acordando... resmunguei... "Nao mãe, nao machucou nao".... Ela pegou na minha orelha e falou "Então vai machucar agora".. (muitos risos)


Me tirou da parte superior do beliche pela orelha... descemos a escada pela orelha... saímos pela porta da sala, me fez olhar pro carro e falou... "Eu quero o carro arrumado e perfeito, não quero saber"... Eu já trabalhava (na farmácia)... Tive que arrumar e pagar o fusca....


O fusca foi pra oficina do Réco um amigo meu.... e voltou pra casa mais diferente do que estava quando batido....rsrsrs, pois Já que eu ia pagar e consertar, entao ia ficar do meu jeito.


O fusca voltou da oficina com os parachoques pintados de preto fosco, rebaixado, catraquei o carro, meti roda de Brasília..., TKR cara preta, já aproveitei e "tunei" o fusca inteiro....

O FUSCA e o FIAT 147...

Santo Feltrin - Quando o fusca volto, ela viu o carro... e falou "Nossa.. o carro tá diferente"... "Tá mais bonito não tá mae ? (risos) "- Mas eu não lembro desses pretos no parachoque, etc...". Ela entrou e ligou, aí veio o ronco do escapamento Kadron que eu tinha colocado...(hahahaha) Ela me olhou pela janela do carro com uma cara estranha efinalmente saiu com o carro e pensou que tinha estragado o amortecedor... "- o carro tá pulando tanto Santinho" (claro, estava todo rebaixado), duro feito uma pedra...


Imagina a minha mãe andando com aquele fusca envenenado por Campinas naquela época...(risos e eu engasgando com a coca-cola na lanchonete)


Mas ela ficaria famosa mesmo quando eu bati esse mesmo carro de frente num Fiat 147....


Tempos depois desse lance do cemitério, num domingo a noite, chego em casa com vontade de comer um lanche no Patropi, um trailer de lanches que tinha na lagoa... nessa altura eu já tinha quase me apossado do carro... Tinha pago aquele conserto, então o carro era meu também. Peguei o carro e fui pro Patropi, na avenida da lagoa em Campinas... de noite...


Saí, peguei uma reta e sentei o pé no fusca... entrei numa curva e peguei o Fiat de frente... baita traletada....rsrsrs e eu menor de idade... O cara saiu do carro e viu na hora que eu era menor de idade... Eu pedi pra ele pra deixar eu ir chamar minha mãe, que eu pagava o carro dele e tal... Falei onde eu morava.. e ele : Voce não é irmão da Celinha ? (Minha irmã mais velha)... Sim, sou sim... me ajuda moço, me ajuda, deixa eu ir chamar minha mãe. Eu pago tudo......


O cara.. tá bom, chama lá sua mãe menino. Fui correndo pra casa..."- Mãe... mãe, vem comigo mãezinha, eu dei uma "arranhadina" no carro de um rapaz ali na frente, é só pra voce dar uma palavrinha com ele... (risos)... Minha mãe tranquila e santa como sempre, foi comigo... quando chegou e viu aquela cena dantesca... a frente do fiat 147 moída e o fusca dela literalmente enganchado na frente do Fiatezinho..... meu Deus...


O cara então falou com ela rapidamente, enquanto isso chega a baratinha preta e vermelha da polícia.... O guarda olhando com aquela cara.... pediu a carteira de habilitação da minha mãe... olhou atrás do fusca aquela marca de freada na rua de muitos metros... olhou o fusca... com parachoque pintado de preto, roda de Brasilia, rebaixado, Kadron... olhou dentro do carro, volante Carrera, TKR cara-preta, amplificador, etc.. Olhou pra cara da minha mãe e mandou "- Dona Josepha, foi a senhora mesmo que estava conduzindo esse "veículo" ?"


Aí minha mãe com aquela carinha "É... é sim seu guarda, era eu sim"... (muitos risos)... o guarda: "-mas Dona Josepha, a senhora estava correndo muito não estava" Ela - "Ahhh, eu não sei não, não me lembro"...rsrsrs E eu do lado, olhava pra cara dela com aquele de olhar de " Segura mãe, não me entrega".... (gargalhadas na lanchonete, de novo) ...


Enfim, quando desengancharam os carros, a roda do fusca estava no ar... entortou tudo... lá vou eu chamar o Réco da oficina pra levar o fusca moído novamente....rsrs

Minha mae finalmente falou depois disso: "Santinho, meu carro voce não pega mais... acabou"... E terminaram assim as minhas aventuras com o fusca da minha mãe.


Por sorte eu tinha juntado uma boa grana no trabalho e aprendido a consertar velocímetros de CG de uma forma só minha e artesanal que eu tinha bolado.... Fui numa loja e dei entrada num "Super-Fuscão" branco pra mim... usado é claro... E aí, era meu, e foi um inferno com ele também...rsrs


Ia pra Serra Negra com ele.. estrada de terra, eu sem carta... caminho que eu faço de bike hoje, aí tem mais umas 5 páginas de coisas pra contar... Então é melhor pararmos por aqui...


O ATLETA - AS AVENTURAS PELO MUNDO E PELO BRASIL...

Santo Feltrin - Fiz uma expedição de mountain bike de Lhasa, capital do Tibet a Katmandu no Nepal. Percurso de 1300 km, por 17 dias, no Imalaia com 7 cadeias de montanha passando pelo Everest, sendo o único Brasileiro.

Saímos em 14 e chegaram 5, na base de barracas, sem apoio, sem GPS.


Estou escrevendo um livro que contará isso nos detalhes, dentre outras coisas....



Cada serra com 27 a 28 km de subida ininterrupta, em altitudes enormes, com mínima de 4200mts. E só subíamos... depois da segunda montanha, só acima de 5000 metros...


Perdi 10 kgs, dor de cabeça insuportável por causa da altitude...Sangrei pelo nariz, fiquei 6 horas sem memória... falava coisas desconexas...a cabeçaç apagou. E infelizmente teve um momento no final que precisei descer para altitude mais baixa, de forma emergencial...


Por 35km em 1300 eu não completei. Não consegui mais e a saúde colocou minha vida em risco. Não tinha condições mínimas físicas. Tive que fazer outro caminho e descer urgente. Se não fossem os caras me levarem pra baixo eu tinha seguido porque voce perde o senso de risco, foram os colegas que me tiraram dali, para preservar minha vida.



Se eu tivesse tomado um remédio que existe para maquiar o efeito da altitude poderia ter morrido.

Ficou a frustração, mas continuei vivo. E aprendi muitas lições ali, vendo tamanha pobreza das famílias e seus filhos pequenos que vendiam comida para nós, numa situação de total miséria. Crianças sujas, sem ter como tomar banho naquele frio congelante, sorrindo pra voce pela curiosidade infantil... te pedindo uma bala ou um pouco de comida...




A gente aprende muito nessas situações. Foi uma experiencia muit enriquecedora, mesmo pelo fato de eu não ter completado. Nunca esquecerei tudo aquilo.



Antes disso tinha feito Cordilheira dos Andes, travessia do Chile, Chapada dos Guimaraes com 4 dias no meio do mato pedalando, além dessa teve também em 2010 a Ultra Maratona Brasil Ride mountain bike na Chapada Diamantina (700km) - Etapa que estava sendo avaliada para se tornar parte do mundial da categoria, corrida em dupla... e fomos a 4a. melhor dupla brasileira e 24o. na geral de 250 duplas com todos os grandes nomes internacionais participando, tudo de bike.... e aos 50 anos... e meu parceiro com 33 anos.




Campeão brasileiro em 97 da master pro de aventura, remo, rapel, corrida a pé...e por aí vai.


Em 2007, a revista "Go Outside" fez a lista Top 100 de atletas de Aventuras pelo mundo.. eu fui o quadragésimo segundo... O primeiro foi o Lance Armstrong...pra voce sentir o nível da parada.

FUTURO

Superbike - Santo, voce se ve um dia com uma equipe sua de novo,com mais pilotos, etc. ?



Santo Feltrin - Não sei Chris, não planejo isso. Meu sonho e meu plano, é talvez ter uma equipe Brasileira no mundial. Nao digo MotoGP porque é uma coisa muito grandiosa.. mas não impossível... pode até acontecer se nosso plano até 2020 andar bem e conseguirmos ter o Eric no MotoGP.


Nosso sonho quem sabe, é um time brasileiro na Moto2... E quem sabe depois de consolidar o Eric no mundial, termos um anexo nosso... mas dependemos muito da situação do nosso país, em função de patrocínios, etc.


Ter uma equipe com vários pilotos para treinar a galera para Track-Day, etc. foge do meu conceito de trabalho. O meu plano é mais focado e nesse conceito ter muitos pilotos não é viável. Minha linha é pessoal, um a um. Dá pra fazer algo diferente, para mais gente ? Sim, dá. Mas tem que ter as pessoas do seu lado com o mesmo comprometimento, mesma linha de raciocínio, etc.


E, enquanto existir a chance de eu continuar do lado do Eric, essa é e será a minha prioridade. Meu projeto alvo é o projeto com o Eric.


Eu até tive uma idéia de quem sabe fabricar um chassi aqui no Brasil, meio combinado meio aluminio meio treliça e tal... tipo desenvolver algo forte de competição. Mas hoje não é a época disso. É hora de adiar essas coisas, mas quem sabe um dia.

PROSPERIDADE, REALIZAÇÃO E HUMILDADE


Santo Feltrin - Eu tenho uma carreira, pra mim, gloriosa. Nao em vitórias, mas em alcance de objetivos. Melhor do que a vitória é o espírito de luta que valoriza uma conquista.


A vitoria é uma consequencia de vários fatores que as vezes não estão nas suas mãos. Mas o fato de voce estar ali podendo brigar pela vitória, já é uma grande conquista.


Irmãos Feltrin com os Troféus da conquista das 500 Milhas em 1985


Nós temos nomes fabulosos no esporte que nunca foram campeões do mundo, mas foram pessoas que conquistaram aquele espaço para serem o que são.


O que pareceu pra mim, quando eu tive o acidente, um fim da linha, na verdade foi um grande salto para eu me tornar o que me tornei. Primeiro como ser humano porque evoluí muito e aprendi muito sobre mim mesmo e poder passar essa experiencia para as pessoas.


Profissionalmente, Deus me deu de volta o que eu mais amava fazer que era correr de moto. E eu venci. Venci várias vezes (emoção). Nesse meio tempo eu montei meu negócio e prosperei, tive exito... Constituí minha família e tive exito pois tenho uma filha maravilhosa, uma menina espetacular. Sou separado há 10 anos mas tenho uma ex-mulher que é minha amiga e tenho com ela uma relação maravilhosa também, de muita amizade, respeito, carinho e admiração. A família é uma coisa muito importante, na vida de um piloto também. É uma base de apoio fundamental. Um pilar.



Eu só agradeço Chris, nao gosto de julgar ninguém. Nao acho que sempre tenho razão em tudo, porque a gente também se engana...

Só agradeço, sempre. Porque tenho saúde, tenho facilidade em entender as pessoas e aceito as pessoas como elas são.


A humildade é a coisa mais importante. É o que peço aos pilotos. Isso é difícil manter quando voce começa a ter êxito e ficar famoso. As pessoas que estão ao seu redor as vezes começam a fazer juízo de voce pensando que só porque agora voce se destaca voce não é mais humilde. Elas criam uma imagem delas. E é difícil lidar com isso.


A humildade é uma coisa natural das pessoas. Voce não pode pensar que é superior aos outros. E mesmo se as pessoas acharem que voce não tem humildade, se voce continuar sendo humilde e sendo voce mesmo, respeitando as pessoas, elas uma hora verão isso.


Quero agradecer a todos e a tudo.. por todas as experiências, lutas e tantos momentos maravilhosos que vivi e tenho vivido.. E obrigado a todos que estão lendo as coisas que estou falando aqui.




A vida segue, bola pra frente com força e determinação sempre !


Ah, e uma última coisa. eu vou estar com 70 anos e querendo fazer as mesmas merdas....rsrsrsrs


Valeu Chris e Superbikers Brasil !!!



Abração a todos.

Santo Feltrin

Superbikers - Santo, nós é que agradecemos seu tempo, atenção e amizade nessa longa e linda entrevista. Muito obrigado por contar para nós e para todos alguns momentos da sua maravilhosa vida. Obrigado também ao Carlãozinho Coachman da MotoStory por nos ceder essas imagens históricas que ilustraram essa matéria. Conte sempre conosco, a casa é sua. Abraços e muito mais sucesso pela frente.

Imagens - Acervo pessoal Santo Feltrin, acervo Moto Story / Carlãozinho Coachman e Chris Fabbri/CFR Media

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